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Sem remédio: sobre ervas, chás, TPM e empoderamento feminino

Basta o primeiro sinal de cólica se tornar público para alguém oferecer aquele clássico remédio para dores, não é mesmo? Em ocasiões como estas, você chegou a procurar a solução no jardim, na horta ou na casa de ervas mais próxima? Nas últimas décadas, o hábito de se prevenir ou tratar alguns sintomas com ervas e chás quase se perdeu. Atualmente, porém, muitos projetos tem honrado a sabedoria ancestral e disseminando informações valiosas. É o caso do coletivo Eu Livre, projeto que tem base física em em Taguatinga-DF, que disponibilizou virtualmente o Manual das Ervas para os Ciclos Femininos. (o link para baixar está no final do post ou no site do coletivo).

Uma das coordenadoras  do projeto, a Mariana Almeida, fitoterapeuta, acupunturista e entusiasta da cura pela natureza, pesquisou e reuniu nesse guia reflexões e receitas para acompanhar os ciclos femininos: TPM, menstruação, cólicas, pós-parto e menopausa. Transmitidas de forma simples e didática, as dicas contidas nele também são fruto de estudos e vivências utilizando as ferramentas da medicina chinesa, como a fitoterapia e a acupuntura.

Eu, que cresci tomando chá de tudo e para tudo e resisto muito antes de aderir a algum remédio convencional – ok que tenho a benção de quase nunca ter cólicas – fiquei encantada com o trabalho. É simples e nos (re)lembra de que a solução para dores e sensações que fazem parte do nosso organismo pode estar perto e ser mais barata do que imaginamos. Bati um papo virtual com  Mariana e falamos de ervas, menstruação e do coletivo. No final da entrevista, o download para você baixar o Manual e deixar por perto quando precisar de um chazinho ou banho curativo.

Qual é a essência e influência do coletivo Eu livre? É despertar a autonomia e re-significar o conceito de saúde imposto pela sociedade capitalista, integrando saberes de tradição oral, a educação popular e conhecimentos holísticos como a medicina chinesa. Acreditamos na construção compartilhada dos saberes e no autocuidado como chaves para a saúde integral. Trabalhamos com parceiros, como o Mercado Sul – um espaço onde está acontecendo uma Ocupação Cultural e a Ecofeira que é realizada todo mês – e é nossa base física. Ele fica em em Taguatinga (DF).


Receita de chá para aliviar a TPM, no Manual das Ervas para os Ciclos Femininos

Receita de chá para aliviar cólicas (Imagem: reprodução Manual das Ervas para os Ciclos Femininos)


A saúde como um todo sofre essa influencia capitalista. Mas a feminina ainda mais, não? 

Não dissociamos as histórias e lutas femininas ao movimento da saúde. Nossa primeira atividade enquanto coletivo foi uma vivência com as mulheres que se chamou “Aprendendo com a Vida”. Nós estudamos e vivenciamos juntos os movimentos dos Ciclos Femininos aliados aos cantos, práticas corporais e fitoterapia.  Há dois anos, por exemplo, realizamos uma roda de prosa com uma parteira da tradição, a Ritta Pinho.

Acreditam que o poder das ervas se perdeu no Brasil todo ou é uma característica dos grandes centros?

Esse saber nos foi retirado desde o momento em que fomos invadidos, explorados e colonizados. Abafaram nossa fé, nossos ritos, nossos saberes da Terra. Queimaram nossos livros e nossos corpos. Desde então, esse saber foi mantido e preservado á base de muita luta e resistência. Independe do lugar, houve e ainda há a repressão e por conta disso, as netas acabaram não aprendendo com as avós, o que faz essa ligação ancestral ir se perdendo a cada dia. E claro, que o ritmo dos grandes centros também engolem nosso tempo para olharmos e reconhecermos á nós mesmas.

“Abafaram nossa fé, nossos ritos, nossos saberes da Terra.”

As pessoas reagem curiosas ou mesmo descrentes ao ouvir falar de algo que já foi tão comum?

Acha que existe uma espécie de há uma resistência em abordar esses temas em determinados lugares, como os próprios hospitais e escolas. Há assuntos que ainda são tabu, como a sexualidade feminina.

Como surgiu a ideia do Manual?  Qual a origem das receitas e dicas?

Com a necessidade de expandir os saberes voltados para a saúde da mulher. É um chamado para novas alternativas e experimentos para com nosso corpo e, o mais importante: o empoderamento feminino. A primeira versão dele foi em forma de FanZine, enviados assim por cartas e exposto em Feiras. Depois, em uma parceria, ele foi digitalizado e disponibilizado via internet. Nossa parceira nisso foi o Matricaria (um movimento entusiasta da ecologia feminina). As receitas contidas nele são frutos de estudos e vivências  utilizando as ferramentas da medicina chinesa, como a fitoterapia e a acupuntura.

Baseada nesta vivência, qual diagnóstico você faz da relação da brasileira com o corpo, a feminilidade e a própria saúde?

Pudemos perceber que com todas nós, em algum momento, foi impedido de irmos além em relação ao conhecimento e autonomia de nosso corpo. Seja na sexualidade, no parto ou na hora da primeira menstruação. O que pudemos perceber é que desde cedo foi um tabu. Existia uma distância de consciência da mulher com o sangue. Um não conhecimento e não experimento do poder terapêutico que é esse movimento do ventre.

O coletor menstrual ganhou evidência nos últimos tempos (falamos dele aqui no anaturalissima, nesse link). Acredita que os movimentos feministas estejam contribuindo para isso?

Os movimentos que unem as forças são sem dúvidas, comunicadores que despertam a autonomia. Movimentos feministas até de agroecologia e permacultura, que nos remetem de volta aos saberes da terra.


Ervas: ferramenta milenar de cura (Foto: Coletivo Eu Livre)

Ervas: ferramenta milenar de cura (Foto: Coletivo Eu Livre)


Você percebe\sente que, atualmente, as mulheres estão olhando mais para estas raízes – sobretudo as mais jovens?

Sim! É perceptível que estamos todas interessadas em ter nas mãos novamente nossa liberdade ao corpo. As nossas raízes são nossas fontes. É lá que estão nossas respostas, nossos remédios, o entendimento de cada movimento do corpo. Se nos religarmos, percebemos e vivemos o corpo com um elemento da natureza, logo, o caminho se destrincha e os nós são desfeitos.


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