Designers por formação e artesãs por causa, Karen, Anne e Letícia usam o crochê para trazer conforto, poesia e reflexões à paisagem urbana. Em fases diferentes, e cada uma dentro de seu estilo, elas começaram projetos nos cenários concretados de São Paulo e hoje levam a ideia a outras cidades como expressão e empoderamento. São artistas de um museu a céu aberto
{{{{{ KAREN BAZZEO: EMPODERAMENTO NO CONCRETO }}}}}
Karen Bazzeo (Foto: Renata Ottoni)
Como muitas artesãs da nova geração, Karen Bazzeo, 30 anos, entrou para o universo manual a procura de um hobby que pudesse “fazer sentido” em uma fase de crise profissional. “Queria resgatar algo que gostasse de fazer na minha infância. Me lembrei do crochê, que havia aprendido com minha mãe. Aos poucos, encontrei na técnica uma forma de me expressar ”, conta.
Nascia ali a Dolorez Crochez, um ateliê que também é um manifesto que utiliza a técnica artesanal para inspirar transformações artísticas e educacionais individuais e coletivas. “É arte de guerrilha e empoderamento”, define.
“Quando fiz o projeto com os grafiteiros Felipe Primat e Julio Falaman, em 2014, passei bastante tempo na rua interagindo com as pessoas. A partir daí, meu gosto pelas instalações na cidade cresceu e comecei a espalhar frases, desenhos e coisas que me inspiravam de alguma maneira e que queria colocar para fora”, relembra Karen.
Ladeira do Castro, na Lapa, RJ: instalação “Maresia”, do projeto “A rua é minha tela” (Foto: Lucas Hirai)
Karen e sua obra “Viceral”, no Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo (Foto: Renata Ottoni)
Nascida em Bauru, interior paulista, a designer já deixou sua arte em espaços públicos de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Santo Amaro, Maceió, Recife, Olinda, Fortaleza e , claro, na cidade natal. A inspiração vem de tudo: música, poesia e até críticas sociais. Seu mais recente trabalho, o “Ventre Livre“, por exemplo, começou inspirada pela hashtag #meuprimeiroassédio (articulada pelo coletivo Think Olga para que mulheres pudessem relatar abusos sofridos ao longo da vida).
“O meu trabalho tem por natureza a essência feminina. Ele está sempre conversando e, direta ou indiretamente, lutando pelos direitos da mulher” – Karen Bazzeo
Karen ficou sensibilizada com cada depoimento que leu e ouviu. Na sequência teve o ato contra Cunha, que na época, queria aprovar uma lei em que dificultava o conhecimento da mulher a respeito de seus direitos em relação a abusos e aborto, caso que deixou a designer igualmente indignada.
“Eu não pude ir a este ato porque tinha uma viagem marcada, mas senti que precisava me expressar de alguma maneira. Então, durante a viagem, comecei a produção desse trabalho, que hoje está em uma parece da Casa Jaya, um centro eco-cultural no bairro de Pinheiros”, diz. O processo criativo por trás da Dolorez Crochez pode ser acompanhado em alguns vídeos e em sua página no Facebook.
“Ventre Livre”, intervenção na Casa Jaya, em Pinheiros (Foto: Lucas Hirai)
{{{{{ ANNE GALANTE: ‘GRAFICROCHET’ PELOS MUROS }}}}}
Em ação: Anne usa um cimento especial para colar a lã sobre o desenho grafitado (Foto: arquivo pessoal)
A designer Anne Galante, 30 anos, é pioneira em adicionar o conforto da arte manual nos muros concretados da capital paulista. “Conto a velha história do artesanato da vovó em um uma narrativa atual”, define.
Apaixonada pela estética do grafite, mas com talento para lãs e agulhas, ela criou, em 2011, o projeto Nem Todo Splash é Tinta. Inspirada, ela escolhe um desenho, tece em crochê com linha especial e, com uma liga de cimento, transfere para a parede e finaliza com spray. É o que ela passou a chamar de “graficrochet”.
“Mulher com flores de crochê no cabelo”: parceria com Mari Pavanelli (Foto: arquivo pessoal)
“O graficrochet é um mix do grafite tradicional com o crochê. Adoro a estética a tinta escorrendo. Como nunca tive esse talento para os pinceis, resolvi unir os dois” conta ela. Sócia de uma marca de moda e decoração especializada em tricô e crochê, a Señorita Galante, Anne testou vários tipos de linha e cola até chegar à mistura ideal de cimento que fixasse bem os fios de náilon, escolhidos por serem mais resistentes. “Comecei os testes em 2009, mas só dois anos depois fui às ruas.”
“Na cidade, a arte não escolhe certo tipo de público ou classe social, e abrange a todos como expectadores”. – Anne Galante.
Na 23 de Maio, uma onda vermelha gigante para o grafitte de Tikka Meszaros e a Barbara Goy (Foto: arquivo pessoal)
Anne já crochetou muitos muros sozinhas, mas gosta mesmo é de fazer parcerias com outros artistas. É impossível passar pela rua Barão do Bananal, na esquina com a rua Cajaíba, no bairro Pompeia, onde fica seu ateliê, e não se impactar com o ‘O rato roeu a roupa com o rei de Roma’, uma parceria dela com o artista Paulo Ito. “Ele tem um trabalho bem revolucionário em que faz criticas construtivas sobre a sociedade que vivemos”, conta.
Recentemente, Anne teceu uma grande onda sobre o muro das artistas Tikka Meszaros e a Barbara Goy na Av. 23 de maio. “O mais legal dessas parcerias é que consigo resultados bem diferentes em cada um. É um aprendizado continuo de possibilidades e novas formas”, diz. No Instagram, ela criou o perfil ‘graficrochet‘ para mostrar um pouco do bastidores de seu trabalho.
A parceria entre Anne e p artista Paulo Tito: “O Rato roeu a roupa do rei de Roma”. (Foto: arquivo pessoal)
{{{{{ LETÍCIA MATOS: GALHOS E POMPONS }}}}}
As árvores e postes com “roupa” colorida de crochê e pompons estão espalhadas pelos bairros mais movimentados da capital paulista e já são, praticamente, parte do cenário mais cosmopolita do País. A obra é da artesã e design gaúcha Letícia Matos, 38. Radicada em São Paulo há quase dez anos, hoje ela inspira artesãs, inclusive de outras cidades, a fazerem o mesmo. Mas quer identificar uma obra original de Letícia? Note se nos galhos estão pendurados treze pompons de lã – eles são sua espécie de assinatura.
Na mira das empresas: em uma ação com uma construtora, Leticia crochetou dezenas de árvores no bairro de Humaitá, no Rio de Janeiro (Foto: arquivo pessoal)
A designer ensinava tricô e crochê às amigas em uma praça pública quando teve a ideia de revestir uma árvore e finalizar o projeto com os pompons que acabara de fazer – eram 13. Seu coletivo de crocheteiras ainda ganhava um nome criativo: 13pompons.
Entre postes e árvores, ela anda para cima e para baixo com lãs e agulhas na bolsa. E tece aonde dá vontade. Desde que começou, ela deixou sua marca por São Paulo, Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e até Buenos Aires, na Argentina. Recententemente, realizou um sonho: crochetou suas primeiras árvores em Nova York. “Foi um momento bem marcante.”
“As pessoas param, olham admiradas e fotografam. Não lembro de nenhum caso depredação. As agressões externas, como chuvas e poluição, desbotam e apodrecem a lã com o passar do tempo. Quando posso, refaço. A cidade merece” – Letícia Matos
A designer Leticia Matos em Nova York, 2015 (Foto: Arquivo pessoal)
Com a popularidade das árvores multicoloridas, Letícia atrai o olhar de grandes empresas. Em julho de 2015, por exemplo, fez uma ação com o shopping Villa Lobos e a arcah (instituição que dá apoio a moradores de rua). Durante 30 dias vários mobiliários do empreendimento receberam intervenções com crochê chamando a atenção para a campanha do agasalho. As roupas arrecadadas, assim como todas as tramas usadas na decoração do shopping, foram doadas para a arcah.
Letícia em ação para a campanha do agasalho em um shopping de São Paulo (Foto: arquivo pessoal)
“Além disso, fizemos algumas intervenções na Praça do Pôr do Sol. Cada uma tinha uma tag convidando as pessoas a doarem agasalhos”, conta. Nos finais de semana, Letícia costuma facilitar oficinas gratuitas, ensinando tricô de dedo para crianças e adultos. Normalmente a programação é divulgada na página do coletivo no Facebook.
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